POÉTICA E ‘ÉTICA RACIONAL’

                                         POÉTICA E ‘ÉTICA RACIONAL’

                                                                                O menino queria um burrinho para passear, um burrinho manso,                                               que não corra nem pule, mas que saiba conversar[1].

            Ao abordar sobre ética racional, nos faz refletir a respeito do poema, o menino azul, quando Cecília Meireles relata que o menino queria um burrinho manso e que soubesse conversar, nesta sua metáfora, ela parece referir justamente, a um ser irracional, o burrinho, mas com atitudes racionais, porque saber conversar e ser suave, é significativo para um ser humano que realmente precisa ser racional. O não correr  e nem pular, também pode significar a correria da vida e o ultrapassar os limites dos outros para alcançar a qualquer custo os objetivos individuais, porém, sem preocupar com as consequências do próximo, que nos parece uma ação antiética.

            Assim, a ética kantiana está centrada na noção de dever. Parte das ideias da vontade e do dever, conclui então pela liberdade do homem, cujo conceito não pode ser definido cientificamente, mas que tem de ser postulado sempre, sob pena de o homem se rebaixar a um simples ser da natureza. Kant também reflete, é claro, sobre a felicidade e sobre a virtude, mas sempre em função do conceito de dever. É famosa, na obra de Kant, sua formulação do chamado “imperativo categórico”, nas palavras: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. Kant reconhece que esta é apenas uma fórmula, porém ele, que gostava tanto das ciências e que não tinha a intenção de criar uma nova moral, estava apenas preocupado em fornecer-nos uma forma segura de agir. Sua ética é, pois, formal, alguns até dirão formalista.

            O pensador alemão, com seu imperativo categórico, forneceu, na prática, um critério para o agir moral, que diz, se queres agir moralmente, isto é, para Kant, racionalmente, o que aliás tu tens de fazer, age então; de uma maneira realmente universalizável. Aqui está o segredo da ética kantiana: A universalização das nossas máximas, em si subjetivas, é o critério. A moral kantiana, de certo modo, também pressupõe um conceito de homem, como um ser racional que não é simplesmente racional. Portanto, um ser livre, mas ao mesmo tempo atrapalhado por inclinações sensíveis, que ocasionam que o agir bem se apresente a ele como uma obrigação, como uma certa coação, que a sua parte racional terá de exercer sobre sua parte sensível. O dever obriga, força-nos a fazer o que talvez não quiséssemos ou que pelo menos não nos agradaria, porque o homem não é perfeito, e sim dual. Mas o dever, quando nos força, obriga a fazer aquilo que favorece a liberdade do homem, porque o homem é um ser autônomo, isto é, sua liberdade, no sentido positivo, consiste em poder realizar o que ele vê que é o melhor, o mais racional. Poder realizar significa: causar por vontade própria um efeito no mundo, ao lado das causas naturais que pertencem, como diz Kant, à maneira newtoniana, ao mecanismo da natureza.

            O homem, neste sentido, é legislador e membro de uma sociedade ética: é legislador porque é ele que vê o que deve ser feito, e é membro ou súdito porque obedece aos deveres que a sua própria razão lhe formula. Neste sentido, ele não tem um preço, mas uma dignidade, e é por isso, que a segunda fórmula do imperativo categórico diz para agirmos de modo a não tratar jamais a humanidade, em nós ou nos outros, tão somente como um meio, mas pelo menos  como um fim em si. Então, isso poderia chamar de uma ética do respeito à pessoa.

            Neste caso, por que não dizer também o respeito ao meio ambiente? Ou seja, o local onde vivem as pessoas, os bichos, as coisas. Dessa forma, podemos retomar o fragmento poético de Meireles que diz: o menino quer um burrinho que saiba inventar histórias bonitas, com pessoas e bichos, que saiba dizer o nome dos rios, das flores, e de tudo que aparecer.

            Portanto, a ética racional, que enfatizamos, também com as teorias kantiana, refere-se a este ambiente, onde existem seres humanos que são altruístas, equilibrados, que primam por um conhecimento integrado, global e humanista. Que mesmo em meio a tempestades, sempre há um lugar para a subjetividade e a poética, como forma de se trabalhar e vivenciar a ética e prática educativa.

 ___________

* Prof. Dr. Alvaro L. M. Valls.Dep. Filosofia – UFRGS.                                                                                  ** Adaptado por CAMPOS  P., Mª Helena. Ética e prática educativa. Governador Valadares: UNIPACGV, 2016                                                                                                                                            [1] MEIRELES, Cecília. O Menino Azul. Poema infanto juvenil.

Este post foi publicado em Uncategorized em por .

Sobre Maria Helena Campos Pereira

Graduada em Pedagogia com registro em Matérias Pedagógicas: Psicologia Educacional, História da Educação e Didática. Pós graduada em em Planejamento Educacional, Supervisão e Inspeção Escolar. Mestre em Ciências da Educação e Doutoranda em Educação. Ministra palestras e cursos sobre Gestão Escolar, Filosofia para crianças, jovens e adolescentes com foco nas vivências interdisciplinares.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.